sábado, 27 de maio de 2017

A espertíssima Sherazade

Minha querida irmã, antes que nasça o dia, conte uma daquelas belas histórias que você conhece! Talvez seja a última vez que terei o prazer de ouvi-las!


Esperta é o predicado que podemos dar à Sherazade (shaharazade). Linda? Segundo o autor (anônimo) que desenvolveu o prólogo sim, mas não podemos ter absoluta certeza disso, afinal ele poderia ter um gosto muito diferente dos padrões atuais de beleza. A única coisa conclusiva e imediata que podemos dizer logo que lemos ou ouvimos a história de Sherazade é que ela foi realmente muito esperta!
Quem foi essa mulher tão astuta? Ela foi irmã de Dinarzabe (ou Duniazabe), filha do primeiro ministro (vizir) de um reino da Pérsia e esposa do rei (Sultão) Shariar. Estamos falando da narradora das Mil e uma noites que não é um livro único; na verdade é uma coleção de diversos contos com influências Indiana, Persa e árabe, sendo que muitos estudiosos acreditam que tenham surgido na sua maioria na Índia do século III; de lá, os contos foram transmitidos oralmente por mercadores até a Pérsia e aí com o tempo as histórias fantásticas foram se juntando e antes do século VIII, já havia uma compilação do chamado Hezar Afsaneh (“As Mil Histórias”). A partir do século IX, esses contos foram escritos em língua árabe e daí assumiram diversos elementos da religião muçulmana e também erotismo, insultos aos cristãos e judeus além da mudança no título que passou a ser definitivamente, As mil e uma noites; isso por conta de pura superstição árabe em relação à números redondos.
Quem primeiro trouxe as histórias fabulosas do mundo oriental para a Europa foi o arqueólogo e orientalista francês Antoine Galland que utilizou como fonte um manuscrito do ramo sírio, escrito em árabe; nele são encontrados apenas 282 noites sendo que Galland acrescentou outros textos (árabes) que não faziam parte de nenhuma versão original das Mil e uma noites. As histórias posteriormente incorporadas, são as famosas Ali Ba-bá e os 40 ladrões, Simbad, o marujo e Aladin; essas narrativas se tornaram mais famosas e conhecidas pelo grande público do que todo o resto. No ramo egípcio há uma superabundância de novas histórias, chegando facilmente a completar as mil e uma noites prometidas no título do livro.

As histórias das Mil e uma noites têm inicio quando Sherazade se torna esposa do rei Shariar, um homem amargurado por uma traição que sua ex esposa lhe infligira no passado. Depois de ordenar a execução da sultana, Shariar percebeu que nenhuma mulher era digna de confiança. Seus desejos viris não lhe permitiam abster-se totalmente dos favores femininos, entretanto sua decisão não tinha volta; ele jamais deveria se arriscar novamente com criaturas tão traiçoeiras. As formas frágeis e suaves do sexo oposto, lhe traziam do passado a dura lembrança da perfídia da ex sultana e logo, o ódio vibrava novamente em seu coração; ao mesmo tempo o desejo sexual lhe oprimia com enorme força; ele estava entre dois fortes tiranos: o ódio e a luxúria. 

Pouco tempo foi necessário para Shariar descobrir que não podia continuar vivendo em paz, sem conceder ao corpo o seu quinhão; não podia ficar sem elas; seu desejo masculino lhe obrigava a ter esposa; o que fazer? Ao mesmo tempo que o desejo sexual lhe dominava quando via uma bela mulher, o medo, e a vergonha mesclada com ódio lhe assaltavam. Shariar não demorou muito em achar uma solução; afinal ele era o rei e um rei de um sultanato perdido no meio do mundo árabe pode fazer qualquer coisa, inclusive mandar degolar sua esposa logo após tê-la tirado a virgindade na noite de núpcias. Os casamentos e as execuções se sucederam um após o outro, primeiro como um momento de desejo e ódio pelas mulheres, depois como loucura e finalmente como regra, entre as fronteiras do sultanado. As famílias que tinham virgens ficavam alarmadas; o medo ia se avizinhando delas a medida que o número de virgens no reino seguia diminuindo. 

Shariar deve ter se apaixonado pela sua idéia desde o primeiro momento que a concebeu. A amargura dos primeiros dias de marido traído, deve ter evaporado logo na primeira noite; o rei traído e humilhado por sua esposa se transformou num maníaco sexual que toda noite desfrutava de uma bela virgem e na manhã seguinte a destruía; era sexo e morte; uma coisa completava a outra numa seqüência exata e brutal; o desejo e o ódio se correspondiam de tal forma que se tornaram um só sentimento; a fusão do desfrutar e do destruir seguiu o sentido contrário da natureza, onde a fera mata para devorar a caça; Shariar devorava, desfrutava, aliviava sua fome sexual e depois assassinava para, então, saciar sua fome de vingança e ao mesmo tempo, seu ímpeto perverso. A fantasia sexual somente era completa com a crueldade do ato final. Quantos homens naquelas terras orientais e não apenas lá, mas nas variadas partes do mundo, em sucessivas gerações, não desejaram estar no lugar do sultão apenas para pôr em prática suas fantasias sexuais? Quantos homens desiludidos com a virtude do sexo oposto, não tiveram a mesma vontade de impor uma pena cruel às mulheres que lhe magoaram tão profundamente? Essa história não está tão distante da realidade; os exageros na sucessão dos acontecimentos e nas atitudes tanto de Shariar como na de Sherazade, está presente em pequeníssimas escalas no interior de muitos fatos do cotidiano real. Além de entreter, essa talvez seja a segunda função da Literatura: decodificar a realidade humana e expô-la numa linguagem literária onde tanto as qualidades como os maiores defeitos dos personagens, que surgem da mente de seus autores inspirados em modelos reais, possam ser analisados e também documentados. 
A contrapartida da narrativa surge, primeiramente como uma frágil vítima; nada mais que uma vítima do sultão tarado que tem uma idéia depravada e maligna na cabeça. Sherazade não aguentava mais ouvir os boatos, que circulavam no reino: tantas virgens iguais a ela eram tomadas de suas famílias para encontrarem um fim tão triste no quarto do sultão; a solidariedade feminina aflorou. O firme propósito de pôr um termo àquele morticínio se encorpou com uma estratégia e se tornou real com a permissão que seu pai e cúmplice (o vizir) lhe dera. Assim foi combinado e assim foi feito! Ele cooperou com Sherazade e a ofereceu ao sultão. 
Shariar quase não acreditou que o pai estava lhe oferecendo sua primogênita, mas por fim aceitou. A partir daqui, Sherazade dita o rumo da história e começa a se transformar numa grande heroína das mulheres de seu reino; ela não enfrenta o sultão nem o contrapõe. Muito pelo contrário, ela obedece a sua sorte. Toda a brandura, delicadeza e sutileza do sexo feminino é exposta na estratégia da mais nova esposa do rei. 
Quando o pai contou à filha que Shariar aceitara casar-se com ela, Sherazade ficou muito contente, como se tivesse recebido a melhor notícia do mundo. Agradeceu a seu pai e o consolou, assegurando-lhe que ele não se arrependeria por tê-la dado em casamento ao sultão. Depois, chamou a irmã e lhe disse em segredo: 

– Querida irmã, preciso de sua ajuda. Pedirei ao sultão que você durma no quarto nupcial. Amanhã, uma hora antes de raiar o dia, acorde-me e diga: “Minha irmã, por favor, conte uma daquelas belas histórias que você conhece!” 

De noite, Sherazade foi levada ao quarto nupcial e, chorando, implorou que a irmã Dinarzade pudesse passar a noite ali ao seu lado. O sultão concordou. 
Quando faltava uma hora para raiar o dia, a irmã fez exatamente como Sherazade havia pedido; acordou-a uma hora antes do nascer do sol, dizendo: 
– Minha querida irmã, antes que nasça o dia, conte uma daquelas belas histórias que você conhece! Talvez seja a última vez que terei o prazer de ouvi-las! Sherazade, então, começou a contar uma história. Quando chegou a um ponto decisivo, interrompeu a narrativa, dizendo: 
– Que pena, o dia já nasceu. Não vou poder contar o final de minha história... A continuação é ainda mais bonita e interessante. Mas eu não poderei contar a você, cara irmã, a menos que o sultão permita que eu a retome na próxima noite... 


A promessa de um grande desfecho para a história, aguçou a curiosidade do rei já fisgado pela fantástica narradora. Ali naquele quarto e naquele momento, o Sultão não era a maior autoridade. No mundo árabe antigo, o narrador de uma história, nunca é o superior; quem narra é sempre quem está em desvantagem; o superior somente escutava; isso se torna uma ironia, pois é Sherazade quem conduz o ouvinte; sem dúvida, ali ela está numa posição de vantagem perante o seu rei que teoricamente tem o poder para mandá-la para a morte, dali a algumas horas, mas ela rouba-lhe esse poder, por meio da sua astúcia. 

O sultão, que já gostara muito do que Sherazade contara e ficara cheio de curiosidade em saber o que aconteceria depois, decidiu não matar a moça para poder ouvir o final daquela história. Mas, na noite seguinte e nas outras, Sherazade usou da mesma astúcia. Quando terminava uma história, começava a contar outra ainda mais interessante. A cada dia, prosseguia em sua narração até um certo ponto e, fazendo suspense, interrompia-a num momento, despertando a curiosidade do sultão, que dizia a si mesmo: “– Vou deixá-la viva só mais esta vez para saber como essa história maravilhosa termina; mas amanhã, sem dúvida, mando executá-la.” 


É nesse contexto que as centenas de narrativas fabulosas foram incorporadas ao longo do tempo, tanto no ramo sírio como no ramo egípcio e claro no trabalho de Gallant, que além de ter trazido o livro para o ocidente, acrescentou-lhe algumas histórias. Os momentos em que Sherazade, senta e inicia o novo conto para Shariar (e também para o leitor) é a estaca onde os contos estão amarrados e unidos. 

Além da forte presença do elemento quimérico, e tal como acontece nas inúmeras produções literárias, as histórias dAs Mil e uma Noites, também carregam o leitor por veredas onde surgem aventuras românticas, situações morais e características culturais do mundo árabe antigo. 
E assim, por meio das histórias dAs Mil e Uma Noites, Sherazade conseguiu adiar a própria morte e curar o esposo de sua luxúria e ódio pelas mulheres. E sua estratégia deu certo? Deixarei que o próprio Shariar lhe responda: 

– Querida Sherazade, vejo que as suas maravilhosas histórias não têm fim. Você conseguiu acabar com o ódio que eu alimentava contra todas as mulheres: meu amor por você me leva a renunciar àquela lei cruel que eu tinha estabelecido. Você salvou todas as moças que eu iria ainda sacrificar para satisfazer minha raiva. 
O grão-vizir foi o primeiro a saber daquela notícia, que em pouco tempo se espalhou por toda a cidade. Assim, de todas as partes do país se ouviram muitos elogios e bênçãos para o sultão e sua adorável esposa Sherazade. .F
Com informações As Mil e uma Noites
Focou??? Fúlvio Garcia
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