Ele estava longe da civilização, numa estação soviética durante o inverno antártico.
Leonid Rogozov foi um médico russo que realizou uma grande proeza até hoje admirada por muitos: operou o seu próprio apêndice. Ele nasceu em um vilarejo a apenas 17 km da fronteira da Rússia com a Mongólia em 1934.
Leonid Rogozov |
Em 1953 foi admitido na Instituto Médico Pediátrico de Leningrado (São Petersburgo). Logo após se formar em 1959 como clínico geral, começou o treinamento clínico para se especializar em cirurgia; esta deve ter sido a escolha mais acertada de toda sua vida; se ele não tivesse prática cirúrgica a história seria outra.
Em setembro de 1960, com 26 anos, integrou, como médico, a sexta Expedição Antártica Soviética; a equipe de expedicionários era composta por 12 homens, com diferentes especialidades; a missão consistia em construir a base Novolazarevskaya no Oásis Schirmacher no leste da Antártida. Em meados de fevereiro de 1961, a base já estava em funcionamento, mas mesmo assim, a equipe foi impedida de ir embora devido a uma forte tempestade que se aproximava; simultaneamente Rogozov começou a sentir fraqueza, náuseas, febre e dor na região ilíaca direita; tais sintomas prenunciavam uma perigosa crise de apendicite. O jovem médico sabia muito bem o que estava acontecendo com seu corpo e qual seria o prognóstico, caso não saísse rapidamente daquele local completamente afastado da civilização; o navio só chegaria à estação em 36 dias; a equipe e o próprio Rogozov consideraram a possibilidade de remoção aérea, mas logo descartaram a idéia devido uma tempestade que prometia vir forte. Não havia tempo para fugir dali e o fim, aparentemente, estava próximo!
O apêndice fica no ceco, região entre o fim do intestino delgado e o início do grosso. Possui 10 cm de comprimento e tem o fundo cego; assemelha-se ao dedo de uma luva. A ciência acreditava que o apêndice não servia para nada; a teoria dominante dizia que ele era um resquício evolutivo e que em breve, não existiria mais nos seres humanos; porém essa idéia foi para o lixo; em 2007 cientistas da Universidade Duke, nos EUA, divulgaram um estudo no qual chegaram a conclusão que além de ser um reservatório de bactérias intestinais que auxiliam a digestão, apresenta também um conglomerado de células linfóides, que produzem anticorpos e ajudam na defesa do organismo.
O rompimento do apêndice pode
causar
uma infecção generalizada
e levar a morte; foi exatamente isso que Rogozov temia que acontecesse; naqueles momentos angustiantes, ele só tinha três opções, todas elas desanimadoras: poderia esperar para ser resgatado por um navio, que levaria mais de um mês para chegar, ou por avião que teria que enfrentar as severas condições meteorológicas ou simplesmente operar a si mesmo. Rogozov foi obrigado a escolher a última.
Enquanto sentia as dores insuportáveis causadas pelo seu apêndice próximo a estourar, Rogozov planejava aquela cirurgia sem precedentes; incumbiu o engenheiro mecânico de lhe passar os instrumentos e o meteorologista de segurar uma lâmpada e um espelho que lhe ajudaria a ver toda a cirurgia; um outro assistente ficaria de prontidão para injetar-lhe adrenalina caso perdesse a consciência; ele aplicou uma anestesia local (novocaína), e começou a cirurgia com uma incisão de 12 centímetros na região ilíaca direita; logo desistiu do espelho que lhe mostrava as imagens invertidas, atrapalhando as etapas do processo cirúrgico; sem ver o que estava fazendo, precisou tirar as luvas para ter um melhor tato; segundo o próprio Rogozov, no seu diário, o sangue saia forte e ele ficava cada vez mais fraco a tal ponto de ter que fazer pausas de 20 a 25 minutos para cada 4 ou 5 minutos trabalhados. Ao abrir o peritônio feriu, por acidente, a viscera tendo que costurá-la; finalmente o apêndice foi removido e depois de quase duas horas a "auto-cirurgia" foi concluída com sucesso. Quando examinou o apêndice extraído, Rogozov constatou que se esperasse mais um dia, ele teria estourado.
A equipe de expedicionários foi evacuada em 1962 por aviões monomotores, já que o navio encarregado do resgate não pôde se aproximar devido a mudanças meteorológicas que não estavam previstas. Antes mesmo de voltar para a civilização Rogozov já havia se tornado uma celebridade; a máquina de propaganda comunista se encarregou de explorar a grande aventura antártica, como um feito somente alcançado por jovens pertencentes a uma pátria como a União Soviética; nesse mesmo tempo, outro jovem soviético com a mesma idade de Rogozov e proveniente da mesma classe se tornou um herói comunista: Yuri Gagarin. Os paralelos não faltaram entre o cirurgião e o astronauta, os dois super heróis da grande nação vermelha.
"Veja essa geração de jovens que nosso sistema produziu: jovens, bonitos, sorridentes, pessoas bacanas, mas ao mesmo tempo, feitas de aço e com determinação de ferro."
Apesar da máquina de propaganda comunista se aproveitar, ao máximo, da aventura bem sucedida vivida por Leonid Rogozov, é evidente que foi um grande feito que demonstra perícia, bravura e excepcional auto controle. .F