Dados falsos, erros estatísticos e o sensacionalismo das revistas especializadas afetam a produção científica atual
A Ciência desde seu início, tem se deparado com questões de método que visam o aprimoramento da busca pela verdade, pois a ciência só pode ser confiável se seus enunciados forem verdadeiros; vários filósofos tentaram separar a ciência não apenas do mito e das superstições como também da falsa ciência e ao que parece, a luta pela pureza do conhecimento científico está longe de acabar.
Um grupo de pesquisadores dos EUA, Reino Unido e Holanda assinaram O Manifesto por uma Ciência Reproduzível, que foi publicado na semana passada na Nature Human Behaviour. Este manifesto propõe uma série de medidas que tetam evitar práticas inúteis e prejudiciais em todas as fases de uma pesquisa científica. O principal autor deste manifesto é John Ioannidis, pesquisador da Universidade de Stanford (EUA) e um pioneiro da Metaciência, disciplina que avalia o trabalho científico e diz a quantas anda a sua produção. O que Ioannidis defende é o mesmo que o filósofo austríaco Karl Popper: a busca por qualidade no enunciado científico. Para Popper, era necessário submeter o conhecimento científico sempre a dúvidas; cada vez mais que a verdade científica resiste às dúvidas lançadas contra ela, sua veracidade é mantida e mesmo assim ainda é passível de dúvida; o que faz um dado ser científico é justamente ser posto em dúvida o tempo todo. Já para Ioannidis o princípio de reprodutibilidade é que deve ser mantido para que o conhecimento científico continue sendo válido. Esta crise que o saber científico vive na atualidade está longe de ser pequena; em 2013 Ioannidis publicou um artigo que denunciava a ineficiência dos estudos científicos; segundo ele, incríveis 95% da produção científica poderiam ser falácias sem comprovação. Como então a ciência poderá seguir em frente? Se uma "verdade" descoberta hoje for falsa, e se esse dado falso for usado posteriormente em outras pesquisas, ocorrerá uma infestação de descobertas científicas totalmente mentirosas! O pior é que uma pesquisa recente publicada pela Nature revelou que 90% dos cientistas reconhecem que existe uma crise de reprodutibilidade na ciência. Ou seja, se reconhecem e continuam produzindo conhecimentos, ditos científicos, com dados não comprovados cientificamente, a crise é gravíssima pois indica que o método científico se tornou religioso (só o religioso aceita uma verdade, sem comprovação, unicamente pela fé).
Para o pesquisador de Stanford, antes se analisavam os dados em estado bruto, os autores iam às academias reproduzir suas experiências diante de todos; o que mudou foi o desenvolvimento de pesquisas baseadas apenas em dados escritos em papel, sem serem testados para comprovação de sua veracidade. Nas suas análises, foi demonstrado que a maioria dos estudos não fornecem acesso aos dados brutos nos quais as conclusões se basearam; isto porque são numerosos e bastante complexos para serem reproduzidos. No final, os cientistas “acreditam no que veem, mas não existe uma forma de comprovar se os dados estão corretos; além disso não podemos usar esses dados posteriormente porque se perderam”, ressalta. Essa falta de transparência é um “dos maiores desafios” enfrentados pela ciência, afirma o pesquisador.
O manifesto também denuncia que só são publicados estudos com dados novos, significativos estatisticamente e que apoiam uma teoria determinada; ou seja, mesmo antes de chegar a qualquer conclusão, o caminho já está direcionado em alguma direção. Muitos deles não trazem nada de valioso e, ainda pior, acabam sustentando com a estatística, interpretações preconcebidas que não são certas. E por falar em estatística, Juan Lerma, outro assinante do manifesto e pesquisador do Instituto de Neurociências de Alicante (Espanha), afirma que muitos cientistas têm um conhecimento estatístico “simplista”; para ele há uma deficiência geral de como os pesquisadores trabalham os dados estatísticos.
Lluis Montoliu, pesquisador do Centro Nacional de Biotecnologia (CNB) na Espanha, envolvido em iniciativas para a promoção da integridade científica, acredita que as revistas de divulgação científica tem grande parcela de culpa; “Não podemos esquecer o papel cúmplice de determinados grupos editoriais, frequentemente de revistas de calibre, que preferem publicar resultados inesperados, inovadores, espetaculares, que geram muito barulho e impacto, antes de assegurarem e verificarem sistematicamente a confiabilidade dos mesmos” e resalta, “Ou detemos essa perda na reprodutibilidade dos resultados científicos ou perderemos todo o prestígio e a credibilidade que, por enquanto, a classe científica parece ter acumulado” .F
Focou??? Fúlvio Garcia
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